Sociedade

Greve de enfermeiros poderá agravar vulnerabilidade do Sistema Nacional de Saúde

A Associação dos Profissionais de Saúde de Moçambique  (APSUSM)  anunciou semana finda que, a partir do dia 01 de Junho, quinta-feira, paralisará as actividades para dar lugar a uma greve em reivindicação de melhores condições salariais e laborais.


A paralisação, que terá uma duração de 25 dias prorrogáveis, foi anunciada pelo respectivo presidente da agremiação, Anselmo Muchave, numa conferência de imprensa havida na cidade de Maputo.

Antes de convocar o encontro com a imprensa, o grupo endereçou uma carta ao Primeiro Ministro moçambicano, Adriano Maleiane, no dia 11 de Maio, a solicitar a sua intervenção sobre as preocupações que a associação atravessa. As mesmas inquietações, de acordo com a APSUSM, já tinham sido apresentadas ao Director Nacional de Saúde Pública, assim como ao Ministro da Saúde, Armindo Tiago. No entanto, não houve resposta por parte destes dirigentes.

Na recente conferência de imprensa, o presidente da APSUSM, Anselmo Muchave, frisou que os profissionais de saúde exigem melhores salários e condições de trabalho nas unidades sanitárias, numa altura em que se assiste à falta de ferramenta de trabalho.

“A organização exige ainda que a tutela solucione a falta de material de trabalho, incluindo luvas, soros e equipamento de Raios-X. A carência de meios expõe os trabalhadores do sector da saúde ao perigo de infecções, responsáveis por mortes que as estatísticas não mostram. Os pacientes são obrigados a comprar soro nas unidades de saúde”, revelou Muchave.

Segundo o presidente da associação, o governo, no âmbito das negociações com os profissionais de saúde, tem privilegiado os médicos, mas os enfermeiros são sempre postos a parte, daí a necessidade de se realizar a greve.

 

Consequências da greve

 

Na concepção do Observatório Cidadão para Saúde (OCS), a greve dos profissionais de saúde poderá afectar negativamente o Sistema Nacional de Saúde e serviços prestados aos utentes.

Entre diversos factores que negativamente colocarão o sistema de saúde de rastos, o destaque vai para a redução da capacidade de atendimento, dado que a redução do número de enfermeiros tornará os serviços morosos, originando atrasos no atendimento, assim como cancelamento de procedimentos médico-cirúrgicos.

Com esta situação, espera-se, por um lado, que alguns profissionais estejam sobrecarregados, uma vez que a falta de alguns pode exigir mais colaboração dos que poderão estar disponíveis – médicos e outros especialistas. Consequentemente, estes profissionais entrarão em colapso por fadiga, sinal de esgotamento físico e psicológico.  Por outro lado, a falta de enfermeiros pode levar à redução na supervisão e monitoramento dos pacientes, originando erros médicos, infecções hospitalares e outras complicações.

Para o OCS, os enfermeiros desempenham um papel fundamental na administração de medicamentos, na observação de sinais vitais e na resposta a situações de emergência. Assim sendo, a sua ausência comprometerá a segurança e o bem-estar dos utentes.

No ano passado, a classe dos médicos propusera igualmente uma greve que só veio a ter lugar no ano em curso. Na altura, estes profissionais reivindicavam anomalias registadas no âmbito da implementação da Tabela Salarial Única (TSU), caracterizadas pela redução da sua remuneração. No âmbito do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE-2023), observou-se que se contrataria mais médicos estrangeiros, em detrimento dos nacionais.

 

Impacto da falta de equipamento

 

Sobre a falta de equipamento de trabalho, o Observatório Cidadão para Saúde entende que esta pode prejudicar significativamente os enfermeiros, pois expõe-lhes a riscos que poderiam ser evitados.

Por exemplo, a falta de equipamentos como luvas, máscaras, aventais e óculos, pode aumentar o risco de contaminações durante a prestação de cuidados a pacientes com doenças transmissíveis. Aliás, a falta de equipamento adequado pode comprometer a qualidade dos cuidados prestados aos pacientes, pois depende-se do mesmo para monitorar os sinais vitais, administrar medicamentos com precisão, realizar exames e fornecer cuidados específicos. Embora não seja de modo genérico, as actuais condições de trabalho levam os enfermeiros à frustração, alguns sentem-se menosprezados em todas as vertentes.

 

Olhando para a recente análise do OCS  baseada no Relatório de Execução Orçamental (REO 2022), cerca de 42% das despesas do sector da saúde, no ano passado, provinham de recursos externos, evidenciando-se que o Sistema Nacional de Saúde depende  ainda de financiamento externo.

De acordo com o REO, os medicamentos compõem grande parcela do total das despesas do sector, sendo que  cerca de 75% dos mesmos chega ao país por via de doações, daí não se percebendo o défice, até porque grande parte é doada pelos parceiros de cooperação.

Por outro lado, 80% as despesas de investimento, responsáveis pela compra de material para o desenvolvimento do sector, provém também de fundos externos.

Todas estas componentes, sem falar dos salários, são provenientes de fundos externos, cujas doações já são garantidas.

Entretanto, sabe-se que o salário de um médico estrangeiro chega a ser o dobro daquilo que o nacional aufere, daí que o Estado chega a gastar mais com estas  contratações. Assim sendo, deve-se resolver os problemas de base porque a contratação de médicos estrangeiros equivale a despender dinheiro no lugar de resolver as questões que assolam o sistema de saúde. Ou seja, deve-se evitar a contratação de mão-de-obra cara para que se possa responde a despesas que realmente afectam o sector.

 

Rácio Enfermeiros/Habitantes

 

Uma análise baseada no Anuário Estatístico de Saúde 2021 indica que o efectivo de enfermeiros no Sistema Nacional de Saúde (SNS) cresceu 17% de 2019 para 2021, chegando aos 16.824 enfermeiros em 2021, dos quais 10.293 (51%) afectos à enfermagem geral e 6.531 (39%) à área de saúde materno infantil. Este número representa um aumento de 14.6% em relação a 2020.

O rácio nacional de técnicos de saúde (nacionais e estrangeiros) por 100,000 habitantes teve um aumento significativo, ao passar de 110.2 em 2020 para 124.2 em 2021. O rácio nacional de enfermeiros e médicos por 100,000 habitantes em 2021 foi de 33.4 e 8.5 respectivamente, muito abaixo do standard  de 230 por 100 mil habitantes, estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Embora o rácio de Técnicos de Saúde e Enfermeiros/100.000 Habitantes mostre melhoria em 2021, Moçambique continua, no entanto, entre os países do mundo com os piores rácios de técnicos de saúde por 100 mil habitantes: em Moçambique, o rácio de Enfermeiros e ESMI (Serviço Materno Infantil) por 100 mil habitantes é 48, bastante abaixo de países como Quénia (86,3), Zimbabwe (133,5), África do Sul (511,4) ou Brasil (760,1).

De acordo com o Plano Nacional De Desenvolvimento De Recursos Humanos Para a Saúde 2016-2025 (PNDRH 2016-2025), o rácio médio de camas por enfermeiro era de 1 enfermeiro por 1 cama. O fenómeno verifica-se em todas as províncias com excepção de Niassa, Nampula, Maputo Cidade e HCM. Em relação ao rácio de camas de maternidade por enfermeira de SMI, as províncias que apresentaram um rácio superior ao rácio médio de 1 cama de maternidade por 1 enfermeira de SMI, foram: Gaza, Zambézia, Niassa e Maputo Cidade. Em relação ao rácio de enfermeiros e ESMI por médico, o rácio médio foi de 1 médico por 6 enfermeiro e ESMI. A única província que apresentou um rácio favorável foi a de Maputo. (PpP/fonte:OCS)

 

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