Política

Adiamento das eleições distritais: A jogada do mestre Tamoda

Ainda não está claro sobre qual vai ser a reacção prática da Renamo perante estes factos que se apresentam no terreno

Por: João Chamusse

A bancada parlamentar da Frelimo acaba de confirmar, mais uma vez, o que vinha sendo dito em vários sectores da sociedade, dando conta de que as alterações na lei eleitoral que tiveram lugar nesta sessão ordinária da AR, visavam apenas alargar o tempo então previsto para o presidente anunciar a data das eleições gerais de 2024.

 

Conforme a lei eleitoral já alterada, Filipe Nyusi deveria proceder ao anúncio das eleições gerais dentro do mês passado, cenário que inviabilizava a alteração constitucional com vista ao adiamento das eleições distritais, apenas contando com a maioria qualificada que a Frelimo possui na AR.

De acordo com o comando constitucional, a Constituição da República só pode ser mexida, passados, no mínimo, cinco anos após a última alteração, que no caso em apreço foi em Junho de 2018, como resultado dos acordos que puseram fim ao conflito pós eleitoral entre o governo e a Renamo. Antes dos cinco anos, a constituição só pode ser mexida por três quartos dos deputados, número que a Frelimo, apesar de ser maioria, não possui.

Foi necessário atrasar o anúncio das eleições porque nas condições anteriores (anúncio de eleições em Abril), a Frelimo sozinha não conseguia perfazer três quartos de deputados para proceder, unilateralmente, a alteração constitucional. A Renamo e o MDM são favoráveis a realização de eleições distritais, por isso a Frelimo não poderia contar com eles. A Frelimo apenas pode usar a sua maioria qualificada (dois terços de deputados) para impor a sua vontade, a partir da data de Junho, em que se completam os cinco anos após a alteração constitucional de 2018.

 

Proposta de revisão constitucional

 

A submissão da proposta de revisão constitucional que o partido Frelimo acaba de efectuar na AR segue esta lógica, e, visa permitir que ocorra essa alteração, ainda há tempo de permitir que o Chefe de Estado, a partir de Julho próximo anuncie as eleições, já sem a norma constitucional que estipula a realização de eleições distritais em 2024.

O partido Frelimo não está e nunca esteve interessado nas eleições distritais, por isso, depois de 2019 até esta parte, o governo não apresentou nenhum projecto de lei que regulasse aquilo que seria o futuro poder distrital.

A realização das eleições distritais foi uma exigência da Renamo, no rol do seu pacote de descentralização que até aqui resultou na eleição de governadores e assembleias provinciais. Na altura o governo não aceitou as eleições distritais em simultâneo com as provinciais. Das negociações ficou acordado que as eleições distritais iriam ter lugar em 2024, ao que a Renamo ripostou dizendo concordar com 2024, porém, desconfiada, impôs que isso constasse taxativamente no texto constitucional, como garantia de que a Frelimo mais tarde iria cumprir com o acordo. Aliás, a Renamo tem um histórico de incumprimento dos anteriores acordos pelo governo/Frelimo, desde os entendimentos de Roma em 1992 e outros subsequentes, estes resultantes de conflitos pós eleitorais que, ciclicamente, foram eclodindo, o último dos quais teve o seu fim em 2018 com a assinatura do acordo que ditou a realização de eleições distritais em 2024, ora em via de mais uma vez virar um incumprimento aos olhos da perdiz.

Pelos vistos nem isso valeu a julgar pela forma como é o curso das coisas que ao que indicam, haverá adiamento das eleições.

A proposta do adiamento vai consistir na mudança da actual redacção que fixa 2024 como data das eleições distritais, passando para um outro escrito que dita o seu adiamento até que haja condições para esse efeito.

 

Reacção da Renamo

 

A pandemia da Covid-19 terá jogado um papel a favor do partido Frelimo e seu governo. Passado, pouco depois de se completar um ano do actual mandato, surgiram as famosas restrições que limitaram em grande medida a actividade política normal e não só, praticamente paralisou toda a economia. Por essa altura até 2022, momento em que foram levantadas as restrições no âmbito da Covid-19, o tema era saúde e não havia espaço para se debater eleições distritais.

Ainda na ressaca da Covid-19, em Fevereiro de 2022, a Rússia inicia guerra com a Ucrânia, mais um elemento que veio juntar-se a crise já criada pela pandemia. Até hoje, os efeitos combinados da pandemia e da guerra da Rússia contra Ucrânia continuam presentes e sem horizonte claro para o seu fim, incerteza essa, que o partido Frelimo esgrime a seu favor quando alega, falta de capacidade financeira para levar avante o processo de reforma do poder distrital, acto que iria começar com a eleição dos administradores em 2024.

Apanhada neste emaranhado de problemas conjunturais, pouca manobra a própria Renamo teve, para que de 2019 até 2022, pudesse chamar as reformas do poder distrital para a agenda do dia, numa altura em que todo mundo fazia de tudo para escapar da pandemia.

Nesta sessão ordinária da AR, a Renamo ainda tentou, entretanto, já tarde, levantar o debate a volta da proposta do projecto de lei para normalizar o poder distrital.

A Renamo foi-se apercebendo que o tempo ia escorrendo em direcção a 2024, porém, do governo não havia indicação de concepção de qualquer proposta de modelo de poder distrital, acabou ela mesma submetendo a sua proposta a comissão permanente da AR, e, ainda a esse nível o projecto da perdiz foi liminarmente chumbado pela sua contraparte.

Semana passada a comissão criada para reflectir a volta da realização das eleições distritais em 2024, divulgou as suas conclusões que vão no sentido do seu adiamento, praticamente, com os mesmos fundamentos argumentados pelo partido Frelimo.

Em reacção a Renamo afirma não concordar com tal conclusão e muito menos reconhece a essa comissão que a considera de inconstitucional.

Ainda não está claro sobre qual vai ser a reacção prática da Renamo perante estes factos que se apresentam no terreno.

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