Sociedade

Lúcia Ribeiro, defende formação da Polícia na vertente processual

“O arguido em processo-crime, não é objecto, nem é uma coisa, nem um inimigo: é uma pessoa, um ser humano” – Dra. Lúcia Ribeiro

 

A Presidente do Conselho Constitucional (CC), Lúcia da Luz Ribeiro, declarou há dias que “reveste-se de certa importância a formação da Polícia na vertente processual, uma vez que é um dos actores preponderantes nos processos, pela sua competência atinente à instrução preparatória dos processos– crime”.

 

A veneranda falava numa oração de sapiência, por ocasião da abertura do ano académico na Academia de Ciências Policiais (ACIPOL), onde prelecionou sobre “O Papel da Academia de Ciências Policiais no Quadro Constitucional Vigente”.

No entendimento da Presidente do Constitucional, “o judiciário é intrínseco ao sistema constitucional, sendo por isso que as ciências policiais devem respeitar a defesa e garantia de direitos dos cidadãos, particularmente, os direitos e liberdades fundamentais e pessoais, aos quais naturalmente encontra-se vinculada”.

“Devemos ter uma Polícia com elevada formação e qualificação jurídica, que faz uma interpretação da norma criminal, material e processual de acordo com a Constituição, e abdica de aplicar aquelas interpretações ou normas que estão feridas de inconstitucionalidade material ou mesmo de inconstitucionalidade superveniente, ou que são materialmente injustas face a ordem jurídica”.

Para Ribeiro, não é desejável que se tenha uma Polícia que aplica a norma jurídica infraconstitucional contrária à Constituição, desconforme com a nova ordem jurídica, e opta pela aplicação da norma jurídica injusta e ilegítima, ilegal ou ilícita com fundamento tão só na ratio legis – princípio da obediência à vigência e à efectividade (inconstitucional) da lei – em detrimento da ratio iuris, em detrimento da legitimidade e da validade.

Assim, o desafio inicia-se na formação conferida aos futuros servidores, ainda nos bancos das academias e centros de formação.

“Deve ter-se em conta as tendências e os desafios do trabalho policial na contemporânea sociedade moçambicana. Os objetivos da formação estarão indubitavelmente sujeitos à necessidade de se dar respostas imediatas às demandas na sociedade, como por exemplo, mais segurança, aos crimes cibernéticos, a corrupção, e outros, diante de episódios de violência e de crimes com significativa repercussão ocorridos na sociedade, como os raptos, o crime organizado, o branqueamento de capitais, o tráfego de droga, etc…”

De acordo com Ribeiro, todo este cenário complexo exige uma Polícia cada vez mais preparada para dar respostas satisfatórias à população, através da elucidação rápida dos delitos, bem como mediante a prevenção da ocorrência de crimes. A eficiência deste último factor depende, de entre outras, da formação dos profissionais da Polícia.

“Quer dizer, ACIPOL além do curriculum deve dotar-se de ferramentas necessárias — recursos humanos e materiais — para uma eficaz formação do Polícia, a fim de incrementar um padrão de excelência no exercício quotidiano do seu trabalho. Articulação do conhecimento teórico com as experiências práticas do quotidiano com vista a produção sistemática de conhecimento teórico e técnico-operativo na área da segurança pública”.

Para a Presidente do CC, o desenho do conteúdo da formação deve ter como pressuposto, o conhecimento das funções constitucionais e legais, atribuídas à Polícia de Moçambique assim como do papel que se espera que ela desempenhe na sociedade.

Desde logo, a Polícia é o rosto do sistema jurídico-político de um Estado. Consequentemente, a sua formação deverá ser adequada ao sistema implantado. No caso concreto de Moçambique, deve adequar-se ao Estado de Direito Democrático.

“No Estado constitucional democrático exige-se que a polícia seja formada sob os primados da democracia e com actuação de acordo com os princípios e axiomas inatos a uma democracia constitucional que coloca no centro da actuação do Estado e da ciência, a pessoa humana”.

Na óptica da Presidente do CC, as Constituições democráticas valorizam e materializam a dignidade da pessoa humana. Este princípio é o grande pilar de todos os Estados constitucionais democráticos.

Para Ribeiro, a dignidade da pessoa humana, como pilar, valor primordial da ordem jurídica (valor, princípio, identidade) ao qual está subjugado o «poder», implica que em primeiro lugar está a pessoa e só depois a organização política e que a “pessoa é um sujeito e não um objecto, é fim e não o meio de relações jurídico-sociais”.

Por exemplo, o arguido em processo-crime, não é objecto, nem é uma coisa, nem um inimigo: é uma pessoa, um ser humano.

Segundo explicou, “é esta ideia de dignidade humana que justifica a discussão em torno dos valores da liberdade e da segurança, duas realidades siamesas em relação às quais, fica difícil determinar, quando uma deve ceder perante a outra. Ou seja, em que momento a segurança da colectividade deve, ceder perante a liberdade individual, de modo a não pôr em causa a essência de ambas”.

Assim, os programas aos quais os futuros agentes da Polícia da República de Moçambique serão submetidos deverão, proporcionar acesso a disciplinas ou conteúdos que suscitem reflexão acerca das diferentes dinâmicas dos grupos sociais. A formação deve ser integrada e holística e permitir que se forme uma polícia que, sendo tecnicamente capaz, seja humanizada, alinhada aos valores ditados pelos direitos humanos e demais princípios constitucionais vigentes.

Para a Presidente do CC, a educação em direitos humanos é uma ferramenta fundamental para a mudança de mentalidade das forças policiais, aliás, uma cadeira já existente.

“A educação, quando estrategicamente concebida pode mudar, o modo de pensar, de agir e de ser. Uma formação policial que tenha como paradigma a defesa, garantia e protecção dos direitos humanos não é incompatível com a política pública de segurança, a qual deve, nos contextos democráticos, ser sujeita ao controle, avaliação, apoio e críticas vigorosas da sociedade civil.

A fronteira ténue entre liberdade e segurança dita que a ciência policial deve, descobrir novas abordagens que permitam, descortinar qual a melhor estratégia de actuação nos momentos desafiantes, sem perder de vista os princípios constitucionais da proporcionalidade e da proibição de excesso. (PpP)

 

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